OBSERVADORES À E POR MEDIDA

A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) angolana, sucursal do MPLA, anunciou hoje que vai formular convites para observação eleitoral a nove organizações internacionais, nomeadamente a União Europeia (UE), União Africana, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, SADC e Centro Carter dos EUA.

Convites para observação das eleições gerais de Angola, convocadas para 24 de Agosto, começara hoje a ser formulados também à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), Fórum das Comissões Eleitorais dos Países da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) e Conferência das Jurisdições Africanas.

A informação foi transmitida pelo porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, dando conta que o plenário do órgão eleitoral deliberou (com a imprescindível concordância a aprovação do órgão supranacional, o MPLA) o início da formulação de convites para a observação eleitoral.

“A partir de hoje está aberto o período para a submissão de solicitações de intenções para a observação eleitoral”, disse Lucas Quilundo, no final da 9ª sessão plenária extraordinária da CNE.

O Presidente angolano (por sinal também presidente candidato do MPLA) e a CNE são as únicas entidades que têm competências próprias para formular convites para observação eleitoral, como estabelece a da Lei da Observação Eleitoral. De facto, quem melhor do que João Lourenço, que também é Titular do Poder Executivo, para listar as entidades e personalidades mais impolutas para observarem as eleições?

A observação nacional, explicou o responsável, depende de solicitações que as organizações ou as individualidades que pretendem observar o processo devem dirigir à CNE, “para que o seu plenário, de acordo com o regulamento aprovado, e desde que satisfaçam os requisitos aí estabelecidos, sejam credenciados para o processo”.

Como aconteceu em todos os simulacros eleitorais anteriores, os observadores devem corresponder, entre outros, a três requisitos sem os quais não haverá autorização: Serem cegos, surdos e mudos.

Questionado sobre as solicitações de credenciamento já feitas por algumas organizações da sociedade civil, que dizem aguardar por respostas da CNE há 15 dias, Lucas Quilundo explicou que o processo “não poderia ter início fora dos prazos legais”. Algumas credenciais poderão mesmo chegar depois das eleições…

“Os prazos legais são aqueles que a lei estabelece”, observou o porta-voz do órgão gestor do processo eleitoral. É obra. Lucas Quilundo quase parece o seu chefe de posto, “Manico”. Então não é, atente-se, que “os prazos legais são aqueles que a lei estabelece”? E logo quando todos pensavam que os “prazos legais são aqueles que a lei” não estabelece…

“A observação eleitoral, enquanto actividade, tem início 30 dias antes da data marcada das eleições, e por isso a observação deve ter início em 24 de Julho, e a lei também estabelece que o processo de submissão de pedidos para observação eleitoral deve ocorrer 30 dias antes do início da campanha eleitoral, portanto estamos hoje exactamente em tempo”, assegurou.

Certamente que se fosse Manuel Pereira da Silva, “Manico”, a dissertar sobre o assunto, teria dito, citando o mais do que provável autor, segundo o MPLA Agostinho Neto: “O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.”

Sobre a alegada “impossibilidade” de haver em Angola observadores independentes, como é propalado em alguns círculos sociais, o responsável referiu que a CNE não faz avaliações relativamente à forma como os observadores “vão realizar a sua actividade”. E tem razão. O MPLA/CNE escolhe jacarés credenciados como sendo vegetarianos. Se, no fim de contas, eles são carnívoros, ninguém pode garantir a forma como eles “vão realizar a sua actividade”.

“Não sei qual é o critério que encontra para considerar uns independentes e outros não. Para a CNE e aquilo que a lei estabelece, é apenas que há essa possibilidade de cidadãos e organizações poderem ter a qualidade de observadores”, respondeu à Lusa.

“A partir do momento que seja solicitada à CNE, o plenário aprove e um observador é acreditado, a CNE não faz avaliações subjectivas relativamente à forma como estes vão realizar a sua actividade, porque a lei determina que cada indivíduo é livre de estruturar o modo como vai fazer a observação eleitoral”, sustentou Lucas Quilundo.

O regulamento da observação eleitoral angolana prevê que cada órgão ou instituição possa beneficiar de até três observadores por círculo eleitoral. Angola conta com um círculo nacional e 18 círculos eleitorais provinciais.

“Até ao momento estão criadas todas condições, na visão da CNE, para que tenhamos um processo eleitoral de acordo com aquilo que a lei estabelece”, assegurou ainda Lucas Quilundo.

O exemplo claríssimo de 2017

No dia 2 e Maio de 2017, a União Europeia, que não percebe nada da poda, julgava que mandar observadores, regra geral surdos, mudos e cegos para “monitorar o processo eleitoral em Angola” iria servir para alguma coisa útil. Isto porque queria enviá-los antes do arranque da campanha eleitoral, segundo informou na altura a porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola.

Júlia Ferreira (foto) avançou esta informação no final da reunião que a Delegação da Missão Exploratória da União Europeia manteve com o então presidente da CNE/MPLA, André da Silva Neto.

A pretensão da UE, segundo a porta-voz da CNE, seria analisada pelo plenário da CNE, tendo em conta que nos termos da lei eleitoral angolana “a observação eleitoral só se inicia com o arranque da campanha eleitoral e termina com a publicação dos resultados definitivos”.

“Tendo em conta o que está estabelecido na lei, foi dito que nós devíamos, em plenário, verificar se há ou não alguma possibilidade de se satisfazer esse interesse da UE”, disse.

O simulacro eleições gerais em Angola de 2017, tal como as anteriores, tal como as de 2022, será sempre – como é tradição divina no reino – ganha pelo MPLA. Aliás, a CNE existe para isso mesmo.

As entidades competentes para convidar os observadores eleitorais nacionais e estrangeiros foram igualmente referidas pela porta-voz da CNE, lembrando que os prazos da observação eleitoral “estão estabelecidos por lei”.

“Nos termos da lei, é permitido que a CNE, o Presidente da República, a Assembleia Nacional, e o Tribunal Constitucional indiquem convidados internacionais para participarem no processo de observação eleitoral, mas tudo isso obedece aos prazos que estão estabelecidos na lei”, explicou.

Vejamos com alguma atenção quem são as entidades competentes para convidar (supostos) observadores. CNE (leia-se MPLA), Presidente da República (não nominalmente eleito e Presidente do MPLA), Assembleia Nacional (feudo esmagadoramente dominado pelo MPLA) e Tribunal Constitucional (areópago domado e dominado pelo MPLA).

Assim sendo, o melhor é a União Europeia delegar a sua observação em quem sabe. Ou seja, no MPLA. Fica tudo em família e não será preciso maquilhar a submissa rendição com ténues cores de independência. Portugal subscreve e, tal como em 2017, o próprio Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa) já deve ter escrito o discurso laudatório para parabenizar o vencedor… João Lourenço.

De acordo com a responsável do MPLA (CNE, se preferirem), só estariam devidamente habilitadas a observar as eleições em Angola, as entidades ou individualidades “legalmente credenciadas”.

Júlia Ferreira referiu ainda que a Delegação da Missão Exploratória da União Europeia estava em Angola também para estabelecer vários contactos com as autoridades governamentais, com partidos políticos e coligações de partidos e com a sociedade civil.

“Para os auscultar e ouvir de viva voz qual o seu entendimento sobre a existência de condições para que eles venham participar no pleito eleitoral de 2017”, sublinhou.

Em relação a 2022, o ideal seria a União Europeia optar pela estratégia da União Africana e da CPLP e fazer já o relatório sobre as eleições e mandá-lo, a tempo e horas, para ser aprovado pelo MPLA.

É que as verdades em Angola têm prazo de validade e, se ultrapassado, constituem crime contra a segurança do Estado e até mesmo tentativa de golpe de Estado.

Recordam-se, por exemplo, que o então presidente da CNE, Caetano de Sousa, considerou que as observações feitas pela União Europeia em relação às eleições de 2008 eram extemporâneas? E eram extemporâneas apenas porque, segundo ele, não foram divulgadas logo após o pleito de 5 de Setembro. Não esteve mal e foi um precedente útil, ou um aviso, para quem ousar meter-se com um regime que está no poder desde 1975.

Na altura, em declarações à Voz da América, Caetano de Sousa considerou que as posições expressas no relatório final da Missão de Observação da União Europeia não deviam sequer ser feitas nesta altura. Portanto… toca a fazer o relatório para prévia aprovação.

A isso acresce que fica mal, muito mal, à UE mandar observadores ao mais democrático e transparente Estado de Direito do mundo, Angola. Estarão, por acaso, os europeus a pensar que o reino do MPLA é a Coreia do Norte ou a Guiné Equatorial? Francamente.

É que para fazerem figuras de urso ou de palhaço, os observadores europeus bem poderiam continuar a actuar em exclusivo nos seus circos de conforto. Este ano não será diferente.

O relatório então apresentado em Luanda pela chefe da Missão de Observação da União Europeia, Luísa Morgantini, denunciou um manancial de coisas que, como se sabe, nunca existiram nem existirão. Falar de falhas, irregularidades, fraudes e quejandos no desempenho da CNE no que toca à imparcialidade na tomada de decisões, assim como na garantia de transparência durante o acto eleitoral é o mesmo que dizer que o regime angolano é dos mais corruptos do mundo. E isso – embora verdade – não é admissível nem aceitável pelo MPLA.

“Para nós não nos oferece comentários se não os que já foram feitos anteriormente. O relatório já está fora de prazo, isto devia ser apresentado logo a seguir à finalização e apresentação do escrutínio. Os comentários posteriores a isto já não os comentamos, porquanto achamos ultrapassados”, explicou Caetano de Sousa, certamente num improviso decorado a partir da ordem do soba maior. Em 2017 foi outro o protagonista da CNE mas (nada como ser coerente) o resultado final será sempre o mesmo. É assim há 46 anos.

O puxão de orelhas à Missão de Observação da União Europeia foi muito bem feito. Ousaram, embora timidamente, “cuspir” no prato em que o MPLA lhes deu comida e por isso foram tratados como não se tratam os vira-latas.

Recorde-se que o relatório referia-se a um leque de anomalias registadas durante a votação, desde a notória falta de acesso dos representantes dos partidos políticos ao centro de apuramento central, à não acreditação de um número significativo de observadores domésticos.

Interessante foi ver que, mesmo obrigados a comer e a calar, os observadores europeus não deixarem de verificar que, por exemplo, uma província “apresentou uma participação eleitoral de 108%” e que “não foram utilizados os cadernos eleitorais para a verificação dos eleitores no dia das eleições e como tal, não houve mais salvaguarda contra os votos múltiplos além da tinta indelével, e nenhum meio para confirmar as inesperadamente elevadas taxas de participação eleitoral”.

Mas como só o disseram dias depois… são umas verdades que não contam porque passou o prazo de validade.

Os observadores disseram ainda que “houve falta de transparência no apuramento dos resultados eleitorais”, “que não foi autorizada a presença de representantes dos partidos políticos nem de observadores para testemunhar a introdução dos resultados no sistema informático nacional e não foi realizado um apuramento manual em separado”, para além de “não terem sido publicados os resultados desagregados por mesa de voto e como tal não foi possível a verificação dos resultados”.

Também Ana Gomes, a então eurodeputada socialista portuguesa que na altura integrou a missão da União Europeia, disse que eram “legítimas as dúvidas que foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre a votação em Luanda”, ou que “posso apenas dizer que a desorganização foi bem organizada”.

Mas Ana Gomes foi mais longe: “À última da hora, foram credenciados 500 observadores por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA e parece que alguém não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”.

Ou, “as eleições em Luanda decorreram sem a presença de cadernos eleitorais nas assembleias de voto e isso não pode ser apenas desorganização…”

Enfim. Como são verdades que não contam, o melhor é – repita-se – fazer já um relatório sobre as eleições de 2022 e mandá-lo, a tempo e horas, para ser aprovado pelo MPLA. Só assim o regime angolano poderá continuar a dizer que no país há separação de poderes e, ainda, que Angola é uma democracia estável e um Estado de Direito de elevado potencial…

Folha 8 com Lusa

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